A Comédia Humana — uma série com incontáveis temporadas
“A Comédia Humana” é o título geral que Honoré de Balzac dá a sua obra em 1842. Nos últimos 22 anos de sua breve vida, Balzac conseguiu terminar de escrever 95 dos 143 volumes que havia planejado. Para viver e produzir tudo isso, ele alternava uma intensa vida mundana com longos períodos enclausurado, quando consumia doses absurdas de café. A morte aos 51 anos interrompeu seu trabalho.
“A Comédia Humana” não inclui as obras de juventude (que ele assinou com pseudônimos e jamais reconheceu), as 5 peças de teatro e um livro de contos libertinos, “Les contes drolatiques”.
Ele classificou os títulos de sua obra magna em:
- Estudos de costumes
- Estudos filosóficos
- Estudos analíticos
E criou outras subdivisões para essas categorias.
O universo Balzaquiano e a estrutura dos seriados
A ambição de Balzac era retratar com a maior verossimilhança possível um quadro da espécie humana. Dotado de uma imaginação efervescente e senso de observação, ele pintou a paixão, a energia, a tomada do poder pelo dinheiro, explorou todas as camadas da sociedade de todos os ângulos: filosófico, psicológico, moral, político, econômico e social.
Com um conhecimento assombroso do mundo feminino, ele criou personagens femininas complexas e icônicas.
Dos personagens criados, 2.500 têm relevância e até dados biográficos.
“Eu terei carregado uma sociedade inteira na minha cabeça.”
Para manter o interesse do público, ele inventou a técnica de “retorno dos personagens”. Trazendo de volta os personagens em diversas fases da vida, os leitores sentiam prazer ao rever seus personagens favoritos e descobrir o que aconteceu com eles, exatamente como nos apegamos hoje às séries.
A unidade das obras que compõem “A Comédia Humana” se dá justamente através da reaparição dos personagens em várias fases de suas vidas. Um protagonista de um romance pode ser figurante em outro ou, até mesmo, ter sua pessoa ou história comentada por outros personagens noutro livro. Para aumentar o ilusionismo no universo balzaquiano, ele inseriu pessoas verdadeiras em sua ficção.
Sem dúvida isso é uma ferramenta de máxima utilidade para a atual indústria dos seriados, já que os atores podem deslizar pelas temporadas sem o fardo de carregar os episódios até o final da série. Além disso, possibilita participações especiais de personagens organicamente inseridas.
Outra técnica inovadora que ele criou foi a “iluminação retrospectiva” onde o personagem, após ser apresentado, tem seu passado revelado. Ou seja, ele também inventou o flashback.
Em nossa era de séries para a TV, é surpreendente que até agora não tenha havido um renascimento de “A Comédia Humana” de Honoré de Balzac.
Abaixo esclareço minhas escolhas para os romances que norteiam cada temporada:
Durante anos trabalhando no projeto, conjecturei sobre quais as obras de “A Comédia Humana” deveriam iniciar a série. Quando amadureci a ideia de conduzir a história através das mulheres, vi em “Béatrix” um bom começo pelo fato de ser um romance com duas figuras femininas notáveis e contrastantes. Béatrix, é a encarnação da femme fatale que usa de ardis e depende da afirmação de seu poder de sedução para sentir-se valorizada. Félicité, ao contrário, é uma celibatária independente e feminista fortemente inspirada na amiga de Balzac, a escritora George Sand. Dessa forma, introduzi na 1ª temporada a backstory de personagens relevantes para as temporadas subsequentes.
A 2ª temporada abrange a trama de “O Pai Goriot”, provavelmente a obra mais conhecida do escritor. Foi a partir dela que Balzac criou a técnica de “retorno de personagens”, precursora da estrutura que conhecemos nos seriados de TV de hoje.
Como sequência natural para a 3ª temporada me veio “Ilusões Perdidas”, uma obra de enormes proporções cuja narrativa se conecta organicamente com “O Pai Goriot” e que tem fôlego para ocupar toda uma temporada, se bem desenvolvida. Entretanto, não consegui deixar de fora sua continuação que se chama “Esplendores e Misérias das Cortesãs”. Esse romance balzaquiano tem um ritmo vertiginoso, uma fabulação intrigante e me abduziu de tal forma que não consegui parar até chegar ao final. Fiz um “binge reading” até descobrir o destino daqueles fascinantes personagens.