Balzaquianas

Sobre a série

Como são as balzaquianas de hoje em dia? A vida hoje é muito diferente da que era nos idos de 1800s, mas sentimentos como amor, ambição, inveja, paixão, solidariedade e decepção permanecem os mesmos. E são eles que mantém a nossa comédia humana cotidiana, que atravessa séculos, nações e agora sai das páginas dos livros para uma série de TV.

Balzaquianas é protagonizado por mulheres, reais e fictícias, cujas histórias são urdidas através do personagem do jovem Balzac que vive imerso no universo feminino.  

 

A ESTRUTURA DA SÉRIE

Cada temporada da série abrange tramas específicas de “A Comédia Humana” e uma fatia da vida de Balzac, com destaque para balzaquianas que se relacionaram com ele.

A narrativa biográfica é composta de duas camadas que se misturam e complementam. A primeira é pautada em acontecimentos reais e baseada nas diversas biografias e trabalhos feitos por escritores e estudiosos como Stefan Zweig, André Maurois e Graham Robb entre outros e, portanto, apresenta fatos comprovadamente documentados. A segunda, inventada por Balzac, baseia-se em obras que foram escolhidas por terem cunho altamente autobiográfico, onde ele recria na ficção suas experiências de vida através de seus alter egos. Assim, na 1ª temporada, o caso de amor da balzaquiana Laure de Berny com Balzac inclui acontecimentos documentais bem como relatos que ele escreveu em “O Lírio do Vale”. Laure foi a sua musa nesse romance embora ele afirmasse que a personagem de Madame de Mortsauf era um pálido reflexo da Dilecta (apelido que ele deu para Laure). Por sua vez, ele se fez presente através do inexperiente Félix de Vandenesse. Na 2ª temporada, a conturbada relação da balzaquiana Claire de Castries com Balzac, além de fatos documentais, usa elementos de “A Duquesa de Langeais” onde ele expurgou sua frustração.

Há ainda as tramas específicas de seus romances que permeiam cada temporada e onde os personagens “reais” (que fazem parte da camada biográfica) vivem e interagem no mesmo plano que os “fictícios” (criados pelo escritor).  Assim, a primeira temporada explora a trama do romance “Béatrix”, a segunda inclui a trama de “O Pai Goriot” e a terceira a trama de “Ilusões Perdidas” e “Esplendores e Misérias das Cortesãs”.

Essa mistura de realismo e imaginação sempre foi a base da vida e do universo balzaquiano.

 

APRESENTAÇÃO DOS PERSONAGENS

Antecipando a estrutura de séries de TV, Balzac criou o princípio do “retorno de personagens. Desse modo, ele conecta suas obras e cria um mundo fictício unificado, autônomo e verossimilhante, dotado de riqueza de vida e movimento.  Os personagens de “A Comédia Humana” não desaparecem ao final do livro, eles se desenvolvem e se transformam, retornam em outros romances e em outras fases de suas vidas. Esses personagens que ressurgem episodicamente formam uma vasta rede de intrigas, interesses, paixões e aventuras que são exploradas ao longo das temporadas. Esse método gera o “efeito de realidade”, pois os personagens continuam a viver entre uma multiplicidade de histórias, circulando pelo universo ficcional como se fosse uma dimensão paralela do mundo real.

São utilizados flashbacks seguindo a técnica criada pelo próprio Balzac e que Proust denominou de “iluminação retrospectiva” (l´éclairage rétrospectif), onde o passado do personagem é divulgado após sua apresentação – (sic) o que lhes dá um sopro de vida e um suplemento de mistério.

Essas inovações de Balzac, fez com que suas histórias fossem simultaneamente autônomas e interdependentes de um ciclo, com os personagens reaparecendo nas histórias seguintes, e seus comportamentos e trajetórias sendo iluminados retrospectivamente por essas aparições, que, aliás, não seguem a trajetória cronológica da vida desses personagens. Assim, no plano de “A Comédia Humana”, tal como idealizado por Balzac, um acontecimento que será narrado em volume posterior é mencionado em volume anterior, no qual um personagem pode aparecer em sua maturidade, para ter sua juventude narrada em um volume seguinte.

 

A COMÉDIA HUMANA

Em seus 95 volumes finalizados, Balzac construiu um caleidoscópio sociológico a partir da movimentação de uns 2.500 personagens. A maioria desses personagens são figurantes, mas há dentre eles algumas centenas de personagens de relevo.  Rastignac, por exemplo, que entra na série no final da primeira temporada, se movimenta ao longo de boa parte do ciclo, começando como estudante pobre em “O Pai Goriot” (2ª temporada) e chegando a ministro. Outro personagem estrutura o ciclo: Vautrin – um antigo bandido que chega a chefe de polícia, tendo como modelo o célebre Vidocq, um policial parisiense que seguiu o mesmo percurso e com quem Balzac fez amizade.

Em sua obra, Balzac se preocupa em analisar a situação por ele descrita de diversos ângulos, preocupando-se em expressar o que todos os personagens têm a dizer a respeito: o direito e o avesso. O escritor coloca na boca de um de seus personagens a seguinte afirmação: 

“Em literatura, meu pequeno, todas as idéias têm direito e avesso; ninguém pode arcar com a responsabilidade de dizer qual o avesso. Tudo é bilateral no domínio do pensamento”  

Sentindo-se uma espécie de historiador da sociedade, Balzac toma para si a missão de registrar a diversidade das pessoas com equanimidade: o rico e o desgraçado são iguais perante sua pena; o camponês tem a grandeza de suas misérias, como o rico a pequenez de seus ridículos.  

O autor expressou seu compromisso com o realismo e com a diversidade em várias ocasiões: 

“Na vida real, as situações violentas como essa não terminam, como nos livros, pela morte ou por catástrofes habilmente arranjadas; acabam muito menos poeticamente pelo tédio, pelo emurchecimento de todas as flores da alma, pela vulgaridade dos hábitos, e, mais frequentemente ainda, por uma outra paixão, que despoja a mulher desse interesse de que tradicionalmente se cercam as mulheres.”

“Todas as coisas verdadeiras assumem tamanha semelhança com as fábulas que, nos dias que correm, a fábula faz esforços incríveis para parecer realidade”. 

“A felicidade não tem história, e tão bem compreenderam isso os contistas de todos os países que a frase – Foram felizes – termina todas as aventuras de amor”. 

Ou seja, onde há felicidade não há diversidade e, portanto, não há literatura ou dramaturgia.

Balzac também defendeu a autonomia do artista perante a sociedade na qual vive, não lhe cabendo a mera descrição da realidade, nem devendo submeter-se às crenças e opiniões que a sociedade lhe impõe. Ele ressalta: “o trabalho constante é a lei da arte, como é a lei da vida; porque a arte é a criação idealizada”. E coloca na boca de um de seus personagens a seguinte afirmação: “a opinião de um artista deve ser a fé nas suas obras… e seu único meio de triunfo é o trabalho, quando a natureza lhe deu o fogo sagrado.”

 

A série Balzaquianas traz as dicotomias presentes nas obras de Balzac através de personagens ricas e complexas. Uma adaptação contemporânea dos trabalhos e da vida desse historiador da sociedade que permanece atual e essencial.