Balzaquianas

Monteiro Lobato (1882-1948)

Em carta para o escritor Godofredo Rangel:  

“Balzac é o gênio da alma moderna como Shakespeare foi o gênio da alma antiga.  Penetrar, como Balzac fez, no fundo do pensamento moderno e pôr a nu todas as almas: quem mais que Balzac o fez?  Meu entusiasmo é tanto que só tenho um conselho a dar-te: lê O Lírio do Vale e depois varre da tua cabeça o alfabeto, para que nenhum livro venha a profanar essa leitura suprema e última.  Lê O Lírio, Rangel, e morre. Lê O lírio, e suicida-te, Rangel. Se não tens aí, posso mandar-te o meu – e junto o revólver.”

“Ontem perdi o sono e conclui a leitura de Cousine Bette. Rangel, Rangel! Balzac me assombra. É gênio dos absolutos. Lembro-me duma imagem de Zola comparando a obra de Balzac a um colossal edifício inacabado – tijolos nus, andaime, só o arcabouço externo. Não é nada disso. Não tem nada de inacabado – mas Balzac não é homem que desça a truques, remates, ornatos secundários. Pinta a largas espatuladas. Diz o essencial, cria blocos apenas, formidáveis blocos, não alisa a pedra, não usa lixas, não lhes enfraquece a grandeza. Que tipos! Que prodígios! Que coerência! Que fertilidade! Que mina! Que celeiro de idéias e imagens! Que multidão de gente viva está dentro dos seus romances! Como perto dele é pálido e artificial Zola com sua arte mecãnica, sua lógica invariável, seu romantismo despido de belezas heróicas do romantismo! Balzac nem em capítulos divide a narrativa. Aquilo rompe e rasga, e vai numa catadupa tumultuosa, numa avalanche até o fim. Quel puissance! Já li César Birotteau e a Cousine Bette, e afundo-me agora em toda a sua obra, como num mar.  Já não dispenso todo Balzac! “