A sábia Laure de Berny (50s) é uma intelectual espirituosa que leciona literatura. Seu discurso irreverente, baseado em sólido repertório e referências, faz com que seus alunos ouçam seus conselhos e disputem sua atenção. Ela tem um séquito de admiradores entre alunos e colegas o que, entretanto, não faz com que ela se sinta lisonjeada. Apesar de ser atraente e estilosa, ela desdenha sua beleza física – o envelhecimento a deixa insegura com o próprio corpo. A voz grave e melodiosa da experiente e maternal Laure assume força inusitada quando ela expressa suas ideias originais. Professora apaixonada, ela reverencia seus ídolos, tem humildade e é generosa com seu conhecimento. Embalando seus conhecimentos num discurso inteligente, instigante e irreverente, ela é capaz de “converter as almas” e fazer com que o aluno mais preguiçoso e indiferente venha a se interessar por literatura (até mesmo do XIX!) com suas aulas criativas.
A vida familiar é fonte de estresse. Seu casamento de mais de duas décadas com o explosivo Gabriel (60s) está abduzido pela rotina, desgastado e, frequentemente, com tensos atritos. O sexo ficou no passado e ela nem lembra mais quando foi a última vez. Os sonhos da balzaquiana revelam sua insatisfação e preocupação com o assunto.
Sua filha Julie (18s), uma representante da geração millennials, não sabe lidar com as pessoas, não aceita críticas e menos ainda que lhe digam não e, portanto, vive às turras com os pais e especialmente com a mãe a quem imputa um rosário de culpas. Para a indisciplinada Julie o peso é um problema e ela oscila fases “bipolares” em que come exageradamente e outras brevíssimas em que se submete às dietas malucas da moda. Sempre comparando-se com o mundo virtual, ela responsabiliza os pais pelo seu fracasso no que crê ser o mundo ideal das redes sociais. A garota se magoa facilmente, ofende-se quando ouve um “não”, chora, entra em depressão e, apesar de inexperiente na vida de uma forma geral, sabe como manipular os pais com suas vitimizações, depressões, crises de raiva e eventuais escândalos. Ela sempre acha que está com a razão; quer viver do seu jeito, sem submeter-se às regras ou ser mandada, quer comandar sua própria vida, ela é uma pessoa! Alexandre (20s) faz intercâmbio no exterior, e hesita em “sair do armário” por conta da reação do pai.
NA VIDA REAL
Madame Laure de Berny foi a primeira amante de Balzac e tinha praticamente a mesma idade da mãe dele, 45, quando o tórrido relacionamento se iniciou. A “Dilecta”, como ele a apelidou, foi amada e também o amou intensamente. Ela exerceu tamanha influência sobre a vida do escritor — como mestra, conselheira literária, consultora financeira, madrinha, amante, mãe suplente e, no fim, amiga.
Tudo na vida de Balzac foi impregnado com as lições recebidas por Laure. Ele reafirmou diversas vezes seu amor e admiração por ela e até morrer demonstrou seu reconhecimento. Após um romance que durou 10 anos, ela decidiu que deveriam permanecer como amigos, o que aconteceu até o fim de sua vida.
Laure foi a musa de Balzac em O Lírio do Vale, embora ele afirmasse que a personagem de Madame de Mortsauf era um pálido reflexo da Dilecta.
A concepção de mulheres de Balzac foi formada em grande parte pela associação com Laure em sua juventude e um reflexo dessas ideias é visto em todas as suas obras.
“A pessoa que perdi era mais que uma mãe, mais que uma amiga, mais do que qualquer criatura pode ser para outra. (…) Ela me apoiou com fala, ação e dedicação durante grandes tempestades. Se eu vivo, é através dela. Ela era tudo para mim.”
“Eu seria muito injusto se não dissesse que de 1823 a 1833 um anjo sustentou-me nessa luta horrível. Madame de Berny, embora casada, era como uma deusa para mim. Ela era mãe, amiga, família, conselheira; ela fez o escritor, ela consolou o jovem, ela criou o gosto, ela chorou como uma irmã, ela riu, ela veio diariamente, como um sono benéfico, para acalmar as tristezas. Ela fez mais; embora sob o controle de um marido, ela encontrou meios para me emprestar até quarenta e cinco mil francos, de que eu retornei os últimos seis mil em 1836 (…). Mas ela nunca falou comigo da minha dívida, exceto agora e depois; sem ela, eu deveria, com certeza, estar morto. Ela frequentemente adivinhava que eu não comia nada há dias; ela provia para todos com bondade angelical; ela encorajou esse orgulho que preserva um homem da infâmia (…).”