O olhar penetrante do másculo e atraente Vautrin (45s) é intimidante mas, após causar essa impressão no interlocutor, é comum ele estourar sua gargalhada de barítono. O hóspede brincalhão, o favorito de Vauquer, tem um rosto marcado e duro que aparenta mais idade do que seus quarenta e poucos anos, diferentemente do corpo que é musculoso, definido e atlético. A viúva vive arrumando uma chance de flagrá-lo com pouca roupa. Vautrin é prestativo com todos e, em especial, com a madame que adora ter por perto um handyman habilidoso e perfeccionista, alguém que a ajuda com as novidades da tecnologia e, ainda por cima, lhe empresta dinheiro.
Atrás do físico privilegiado e da personalidade jovial, pouco se sabe sobre suas atividades que encobrem na verdade um hacker, poliglota, mestre dos disfarces, dono de muitas personas virtuais e que frequenta diversos círculos sociais ― da mais alta roda até o bas-fond.
Vautrin mantém uma disciplina ferrenha com suas atividades físicas que incluem capoeira e outras artes marciais ― ele é forte, audacioso e bom de briga. Ele tem um poder magnético pois é conhecedor das ambições e fraquezas da alma humana, um homem sensual cuja força é capaz de quebrar todos os obstáculos, um lutador com poder físico e mental com habilidade para manipular e dominar.
NA COMÉDIA HUMANA
Na obra de Balzac, Vautrin/Jacques Collin aparece pela primeira vez em O Pai Goriot (S02 de Balzaquianas), mas tem uma longa e desnorteante trajetória por diversas obras de A Comédia Humana.
Balzac inspirou seu personagem Vautrin na figura de Eugéne-François Vidocq (1775-1857). Vidocq foi um delinquente com talento para falsificações que foi preso e posteriormente se tornou policial. Ele chegou a ser chefe da brigada de segurança de Paris mesmo sendo acusado de usar métodos pouco convencionais e forjar situações para prender criminosos. Quando deixou a polícia, Vidocq fundou a primeira agência de detetives particulares do mundo e criou diferentes métodos para investigação. A vida de Vidocq inspirou diversos escritores da época como Victor Hugo, Edgar Allan Poe e Alexandre Dumas entre outros.
Vautrin por Balzac:
“Os olhos de Vautrin, como os de um juiz impiedoso, pareciam ir ao fundo de todas as perguntas, ler todas as naturezas, todos os sentimentos e pensamentos”.
“Ele era uma dessas pessoas das quais o povo diz: Eis um fulano em boa forma!“
“Tinha ombros largos, peito bem desenvolvido, músculos aparentes, mãos fortes. Seu rosto, sulcado por rugas prematuras, oferecia sinais de dureza que eram desmentidos por suas maneiras dóceis e amáveis. Sua voz de barítono, em harmonia com sua gargalhada, não era desagradável. Ele era atencioso e divertido. Se alguma fechadura funcionava mal, ele logo a tinha desmontado, arrumado, lubrificado limado, remontado, dizendo: – Isso eu conheço. Conhecia tudo, aliás, os navios, o mar, a França, o estrangeiro, os negócios, os homens, os acontecimentos, as leis, os hotéis e as prisões. Se alguém se queixava demais, logo oferecia seus préstimos. Emprestara muitas vezes dinheiro à Madame Vauquer e a alguns pensionistas; mas seus devedores prefeririam morrer a não lhe pagar, tanto medo, apesar de seu ar benevolente, ele causava com um certo olhar profundo e cheio de resolução. Pelo modo como lançava um jato de saliva, anunciava um sangue-frio imperturbável que não deveria fazê-lo recuar diante de um crime para sair de uma posição equivocada. (…) Ele se dava às maravilhas com a viúva, que chamava de mamãe segurando-a pela cintura, adulação pouco compreendida! (…) Ele sabia ou adivinhava os problemas daqueles que o rodeavam, enquanto ninguém conseguia penetrar nem em seus pensamentos nem em suas ocupações.”
“Jacques Collin (nome verdadeiro de Vautrin), e sua horrível influência são a coluna vertebral que liga O Pai Goriot a Ilusões Perdidas e Ilusões Perdidas a Esplendores e Misérias das Cortesãs”.